Combustíveis fósseis matam 5,1 milhões de pessoas por ano no planeta
A poluição gerada pelos combustíveis fósseis é responsável por 5,1 milhões de mortes a mais por ano em todo o mundo. Essa quantidade representa 61% de um total estimado de 8,3 milhões de óbitos no planeta devido a resíduos na atmosfera, em 2019. É o que revela um estudo, publicado na revista The BMJ. Conforme o ensaio, esse cenário poderia ser potencialmente evitado pela substituição dos combustíveis fósseis por energia de fontes limpas. Hoje começa a Conferência de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP28) e vai até o dia 12, em Dubai, nos Emirados Árabes. Pela primeira vez, terá uma sessão oficial sobre os efeitos dos gases de efeito estufa na saúde humana.
Para investigar os impactos da poluição gerada por esses compostos, um grupo internacional de cientistas usou um novo modelo para estimar todas as causas e razões específicas de mortes devido à poluição atmosférica. A tecnologia também foi empregada para avaliar os potenciais benefícios para a saúde decorrentes do uso de energia limpa.
Os resultados mostram que, em 2019, 8,3 milhões de mortes no mundo foram atribuíveis a partículas finas – material particulado com um diâmetro de 2,5 micrômetros ou menor- e ao ozônio no ar, das quais 61%, 5,1 milhões, estavam ligadas a combustíveis fósseis. Esses números correspondem a 82% do número máximo de mortes por poluição atmosférica que poderiam ser evitadas controlando todas as emissões humanas.
As mortes foram mais elevadas no Sul e no Leste da Ásia, particularmente na China, com 2,44 milhões por ano, seguida pela Índia, com 2,18 milhões por ano. A maioria, 52%, dos óbitos estava relacionada a condições comuns, como doença cardíaca isquêmica, acidente vascular cerebral, doença pulmonar obstrutiva crônica e diabetes. Cerca de 20% eram indefinidos, mas provavelmente estão parcialmente ligados à hipertensão e a doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer e a doença de Parkinson.
Conforme os estudiosos, a interrupção do uso de combustíveis fósseis provocaria reduções no número de mortes, especialmente no Sul, Sudeste e Leste da Ásia. Atingindo cerca de 3,85 milhões de vidas salvas anualmente, o equivalente entre 80 e 85% dos óbitos potencialmente evitáveis por conta da poluição atmosférica.
Nos países mais ricos, que dependem da energia fóssil, cerca de 460 mil pessoas poderiam continuar vivas, anualmente, por meio da eliminação progressiva do uso desses combustíveis. Para além de evitar mortes, usar energia renovável ameniza problemas de saúde, narram os pesquisadores, em comunicado.
“A melhoria da qualidade do ar reduziria o fardo de várias doenças importantes, levando a vidas mais saudáveis e mais longas, menos pacientes necessitando de internamento hospitalar e outros tratamentos, e diminuindo o fardo sobre os sistemas de saúde em todo o mundo”, dizem os autores.
Luciany Victor de Andrade, pneumologista do hospital Encore, de Goiânia (GO), destaca que, desde o início do século passado, os estudos indicam a associação entre a poluição atmosférica decorrente de combustíveis fósseis e o aumento da mortalidade. “Esses efeitos foram observados inclusive para níveis de poluentes no ar considerados seguros para saúde da população exposta.
“No que se refere à saúde, por exemplo, os pulmões estão no alvo, ressalta a médica: “A inalação de substâncias tóxicas causa uma inflamação nas vias aéreas e isso pode ser fator de risco para doenças pulmonares, como a doença pulmonar obstrutiva crônica, conhecida como enfisema ou exacerbação, entre outras, incluindo asma e fibrose pulmonar”.
Expectativas
Os autores afirmam que a incerteza permanece, mas considerando o prazo estipulado pelo Acordo Climático de Paris de neutralidade climática até 2050, é possível ter expectativas positivas. “A substituição dos combustíveis fósseis por fontes de energia limpas e renováveis traria enormes benefícios conjuntos para a saúde pública e o clima”, verifica o estudo.
Para a equipe, as discussões sobre alterações climáticas COP28 nos Emirados Árabes Unidos oferecem a oportunidade para: “Fazer progressos substanciais no sentido da eliminação progressiva dos combustíveis fósseis. Os benefícios para a saúde devem estar no topo da agenda”.
Vinicius Nora, gerente de Oceanos e Clima do Instituto Internacional Arayara, reforça a necessidade de discutir temas relacionados aos problemas ecológicos, mas que são pouco comentados. “Tem muitos aspectos das mudanças climáticas, dos efeitos da indústria fóssil que, um assunto super complexo e detalhado, que geralmente não são debatidos. A saúde, por exemplo, é uma dessas questões.”
O especialista cita exemplos brasileiros, mostrando que a discussão da transição energética não está longe do país. “Em Volta Redonda, no Rio de Janeiro, tem uma CSN que era estatal companhia Siderúrgica Nacional. O aço é produzido por meio do carvão mineral e também utiliza o gás. Essas estruturas, como os hidrocarbonetos de maneira geral, escapam no ar. É muito comum chegar em algum lugar desses e sentir um cheiro ruim, ligado ao metano. Hoje o gás natural liquefeito é tido como um combustível de transição, mas não é, só deram outro nome para algo que ainda provém da indústria de petróleo e gás.” Na COP28, cientistas, pesquisadores e ativistas instam as autoridades para que se comprometam na adoção de medidas para a eliminação progressiva, acelerada, justa e equitativa dos combustíveis fósseis.
Emirados negam autopromoção
O presidente da conferência climática da Organização das Nações Unidas (ONU), Sultan Ahmed Al Jaber, dos Emirados, negou que irá promover os projetos petrolíferos do país no exterior. “As alegações são falsas, incorretas, imprecisas”, garantiu na véspera da inauguração da COP28, em Dubai. Segundo os relatórios revelados na segunda-feira, pelo Center for Climate Reporting (CCR) e BBC, as reuniões prepartórias de Sultan Al Jaber com representantes estrangeiros tinham pontos-chave sobre as duas empresas que comanda: a petrolífera nacional Adnoc e a de energia renovável Masdar. A presença de ambas foi recapitulada e seu potencial comercial detalhado.
China maior emissor de gás poluente no mundo
Em 2021, a China emitiu 14,3 bilhões de toneladas de CO2 equivalente, medida que considera todos os gases do efeito estufa, segundo o Climate Watch, que cita dados do Instituto de Pesquisa do Impacto Climático de Postdam. Esse número a torna o maior emissor mundial. Ao considerar o acumulado ao longo dos anos, a nação asiática fica em segundo lugar, atrás dos Estados Unidos.
Não há um “cenário possível” para conseguir conter o aquecimento global a 1,5ºC na comparação com a era pré-industrial sem o envolvimento da China, afirma a Agência Internacional de Energia (AIE).
Informação, publicada pela agência de notícias Agence France Presse (AFP), o carvão gera metade das emissões chinesas de gás carbônico, que produz 60% da sua energia elétrica a partir desse combustível fóssil, segundo a AIE. A indústria é responsável por 36% das emissões de CO2, enquanto os transportes contribuem com 8% e o setor de construção com 5%.
A China aumenta a capacidade instalada de energias renováveis a um ritmo recorde, em particular a solar, mas até o momento apenas compensou a demanda crescente de energia elétrica, sem conseguir substituir as energias que usam combustíveis fósseis.
Prevenção é o caminho
“A poluição originada da queima desses combustíveis pode gerar problemas respiratórios como asma, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), enfisema pulmonar, câncer de pulmão e diversas doenças ocupacionais (relacionadas ao trabalho), afetando a qualidade de vida. A queima produz pequenas partículas com toxinas que penetram nos pulmões pela respiração, gerando um processo inflamatório, provocando sintomas como tosse e cansaço. A forma de prevenção é tentar reduzir a queima desses combustíveis, usar outras formas de energia para reduzir o impacto tanto no ambiente, quanto na saúde respiratória, evitar exposição crônica e fazer uso de EPIs caso haja exposição ocupacional.”
Carolina Cossi, pneumologista do Hospital Brasília, da rede Dasa, no DF.